sábado, 6 de agosto de 2011

UM IMPREVISTO ÍCONE DE TODA A REALIDADE

O segredo revelado aos três apóstolos Pedro, Tiago e João no monte Tabor é o segredo que hoje o iconógrafo deve comunicar com a arte sacra. Na luz da fé em Jesus Cristo, a realidade sofre uma metamorfose: o fiel percebe aquela vocação que desde já começa a penetrar na criação. 

Em geral se conhece a arte sacra do ícone apenas pela leitura de de qualquer livro. Entre as frases sobre o assunto existe aquela que afirma que o primeiro ícone que o iconógrafo realiza é aquele da Transfiguração. Se poderia dizer, por analogia com o aprendiz de música que, para receber o diploma – após os anos de conservatório – apresenta para o exame um trecho musical correspondente, quanto à dificuldade, à execução de um ícone da Transfiguração. 
E no entanto, a Transfiguração é, verdadeiramente, o ícone por excelência: o selo que confirma esta linguagem sagrada. 
O segredo contido neste episódio evangélico aparentemente anômalo é, na realidade, a regra da arte sacra, o seu cânone de referência: inicialmente secreto, depois revelado a todos. 


O monte elevado

O modo de pintar um ícone é análogo à construção de uma cidadela sobre um monte. De fato, é em cima do monte que o céu se inclina sobre a terra que se eleva. A arte sagrada é esta dinâmica de abaixamento e elevação. Não só Moisés e Elias (Horeb–Sinai) são personagens da montanha sagrada, mas cada um de nós e todo ícone deve se tornar monte como é dito no Salmo 86, 2-3: “O Senhor fundou a sua cidade sobre os montes que santificou com a sua presença” e “Minha mãe é Sião, todos nasceram nela”. A pintura sagrada representa os seus santos e os seus personagens como que alongados em direção ao alto, ou eles mesmos, como sólidas montanhas. Pode-se dizer que ser terra que se eleva torna-se um cânone pictórico.


Vós que éreis treva... agora sois luz (Ef 2,13)
O esforço do pintor corresponde à dinâmica da iniciação cristã – expressa na Carta aos Efésios – de trazer, da matéria opaca, a luz. Em Fl 3,21 São Paulo diz: “Ele transformará o nosso pobre corpo, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso”. De fato, na pintura do ícone, partindo da humilde poeira colorida dos pigmentos, se vai em direção à luz com sucessivos clareamentos, uma espécie de iniciação cristã na arte sacra. 









Uma nuvem os cobriu e eles ficaram cheios de temor
O ícone da Transfiguração representa três personagens lançados em direção ao alto e três personagens que se prostram descompostos ao solo com um contraste surpreendente, sobretudo nos ícones russos, onde este fato é acentuado de modo aparentemente exagerado. O Homem-Deus que toca o céu e o homem-terrestre agachado ao solo constituem os dois extremos de uma dinâmica de percurso de ascese. O ícone parte do homem terrestre para conformá-lo a Cristo, Homem-Deus: do descomposto ponto mais baixo à elevada e solene chama lançada em direção ao céu. 

Vestes brancas como a luz 
Em comparação com o espírito, o corpo é como uma roupa que se usa. Deus é luz incriada e o corpo assumido pelo Verbo, segundo Adão, provém da criação (da santíssima Virgem) para ser enxertado nessa Luz divina: no corpo de Cristo e nas suas vestes brancas como a luz é ocultado o grande mistério da Imaculada, uma terra virgem que deu um corpo ao Verbo de Deus, e há também o mistério da divinização do homem: a sua participação na luz incriada. 

“É bom ficarmos aqui”
 A beatitude do Paraíso é o caráter que a virtude da esperança nos faz antegozar. A arte do ícone é toda baseada nesse aspecto positivo. É uma arte que tem um olhar positivo e consolador sobre a realidade como um viático sacramental na batalha da vida. Cada ícone conserva esse aspecto alegre do Tabor nas suas cores luminosas, no ouro, na nitidez das formas, na transparência das camadas de cor e, sobretudo, ao evidenciar os fatos como se estivessem ocorrido recentemente, como uma aparição, como uma teofania. 

A nuvem luminosa 
O iconógrafo conhece bem este símbolo, o qual representa habitualmente como uma sucessão de círculos concêntricos, alguns luminosos, outros com um azul profundo, enriquecidos de raios e estrelas de ouro. A boa pintura consegue conferir também ao tom escuro uma transparência como um céu nas noites do oriente ou como a água profunda. É aquele símbolo que circunda o Cristo que desce aos infernos, que vem pegar a alma de Maria, na Dormição, ou mesmo quando está sentado no seu trono de glória. A nuvem é sinal revelador de uma presença, aquela do Espírito Santo, na sua dúplice função de cobrir e iluminar, refrescar e aquecer, acolher e irradiar dons. A sua cor é um azul escuro ou o branco, o ouro ou o vermelho incandescente: as cores da plenitude que revelam a beatitude de um lugar de chegada, da expectativa de uma festa nupcial ou talvez a palavra nuvem simplesmente esconde este segredo. 

Giovanni Mezzalira 
Tradução: Ir. Cristiane Pieterzack ASF