terça-feira, 10 de abril de 2012

"NÃO SOU EU QUEM PINTA UM ÍCONE" : A obediência da iconografia cristã.

Há dez anos, Madre Maria (Egereva) serve a Igreja trabalhando no ateliê de iconografia do Convento de Santa Elisabeth, em Minsk. Ela também foi docente na escola de pintura iconográfica  do Convento desde 2009. 




Pergunta : O que você pode nos contar a respeito do  seu caminho para Deus e para avocação monástica? Você foi criada em uma família piedosa? 
Madre Maria : Fui criada em uma família normal dos tempos soviéticos, e estudei em uma escola soviética comum. No entanto, minha alma estava procurando o significado da vida, desde quando eu ainda era uma criança. 
Minha mãe sofria de várias doenças, e em minha preocupação com ela imaginava : por que isso acontece?  Quando cresci, nosso país começou a mudar, a propaganda ateísta foi interrompida, e apareceram muitas coisas novas, que nem sempre estavam relacionadas com a Igreja ( a astrologia ou o budismo, por exemplo). Tentei todos esses caminhos antes de finalmente encontrar a  Ortodoxia. 
Pergunta : Por que você encontrou a Ortodoxia? 
Madre Maria : Meu interesse na Ortodoxia  começou como o relacionado pelas outras alternativas. Lembro  que em um dado  momento, minha vida havia se tornado insuportável. 
E foi então que minha alma entendeu que não havia nada que pudesse me ajudar, exceto a confissão. Eu tinha algum conhecimento vago a respeito da  confissão, mas eu estava receosa de me aproximar de um  padre e  lhe contar os meus pecados. 
Quando a vida se torna realmente difícil,  você percebe que nem a natureza nem a astrologia podem  te ajudar, te dar força. Ai você percebe que só e exclusivamente a fé em Deus pode te auxiliar.   

Pergunta : Como você ficou sabendo da Irmandade? 
Madre Maria : Certa vez fui ao Serviço Divino da Catedral de São Pedro e São Paulo, quando conheci o Padre André (hoje Arcipreste André Lemeshonok, pai espiritual do convento  da irmandade em honra de Santa Isabel). Ele estava cantando uma Akatiste em honra do ícone da Mãe de Deus denominado  “Cálice inesgotável ". Também passei a frequentar a Irmandade quando da realização do Akatiste a Santa Mártir Elizabeth, recitado aos Domingos. Adorava ver as irmãs em suas vestes brancas. E foi assim que cheguei até aqui.  
Em um primeiro  momento, minha obediência era ajudar no recolhimento de donativos. 
Este foi o melhor, o mais feliz período de minha vida. Apenas mais tarde cheguei ao estúdio de pintura de ícones do Convento ... 

Pergunta : Como você se tornou uma iconógrafa ? 
Madre Maria : Todos no Convento viviam a me dizer que eu deveria me dedicar a iconografia, pois eu era uma artista diplomada. Mas de início esta não era a minha intenção. 
Na verdade, quando comecei a ir a Igreja, me desfiz de tudo aquilo que era relacionado a minha vida antes da Igreja, e isso incluía os álbuns de arte. Joguei todo o material no lixo.( Hoje eu lamento ter tomado tal atitude, pois muitos dos livros sobre técnicas de pintura hoje me seriam úteis.)
Desde o início, escrever um ícone me pareceu ser algo extremamente  difícil de fazer, e eu estava  tão satisfeita com meu relacionamento com Deus,  que eu desejava continuar trabalhando na limpeza e em obrigações desse tipo,  mas o Senhor  dispôs as coisas de uma maneira diferente. 

Pergunta : Por que você decidiu ser uma monja? 
Madre Maria : Como disse antes, frequentava a Catedral de São Pedro e São Paulo, e lá conheci o Padre André. Assistia as suas palestras, nas quais ele trazia leituras do Ancião Sofronio e sobre a história do Ancião Efraim. Essas leituras me emocionavam profundamente.
Em um primeiro momento, no entanto, eu identificava o monaquismo como algo alto demais para mim.  Contudo, houve um dado momento em que definitivamente decidi me tornar uma monja, e desde esse momento, nunca pensei em questionar essa decisão.

Pergunta : O que é o mais importante para um pintor de ícones? Você pode partilhar da sua experiência? É a pintura ícones de alguma forma ligada à vida interior? 
Madre Maria : Em nossa vida, há diferentes períodos. Não é então em todos os momentos em que sentimos a grande graça de Deus. Às vezes o coração o está pesado, a pessoa sofre de dores de consciência. 
Um iconógrafo precisa e ter um ambiente calmo e tranquilo a sua disposição  para que ele de início a pintura de um ícone.  No entanto, a minha experiência  pessoal  diz que mesmo quando minha alma está perturbada, quando começo a pintar um ícone, o Senhor age e cura a minha alma através desse ícone. 
Daí que a principal coisa que eu posso compartilhar é que não sou eu quem pinta um ícone, o ícone é pintado de alguma forma misteriosa, pois quando se pinta um ícone, nós chamamos por Deus, e nisso iniciamos um relacionamento com Ele. 
Definitivamente, em primeiro lugar um iconógrafo deve amar o que faz. Ele deve dedicar todos os seus esforços a pintura de ícones, de modo que um iconógrafo não deve fazer outra coisa em paralelo. Ele deve dedicar sua vida a esta obediência.

Pergunta : Como você cria as imagens? 
Madre Maria : Quando fico sabendo sobre o que vou pintar, dou inicio a minha preparação , através de leituras sobre o santo que será pintado. Eu não faço nada imediatamente, mas sim vou elaborando a pintura aos poucos, de modo a compreender de forma gradual como o ícone deve ser escrito. 
Antes da madeira,  desenho muitos esboços e os apresento ao nosso Pai espiritual ( se são ícones para a nossa igreja) ou para a pessoa que me encomendou o ícone.  

Pergunta : O que você sente quando o trabalho esta realizado? 
Madre Maria : Eu me sinto feliz. Ultimamente tendo  pintando  
ícones grandes , e cada um deles leva cerca de um meses a pintar. Às vezes, os ícones estão relacionadas  um com o outro, e acabo levando  vários meses para concluir tudo. Como exemplo disso, levei os últimos quatro meses pintando ícones dos Santos Mártires Imperiais.  

Pergunta : Você tem um estilo preferido ? 
Madre Maria : Tenho chegado à conclusão, especialmente a partir do momento em que  comecei a lecionar na  escola de pintura de ícones, que nada sei e que tenho que aprender tudo desde o início. Ultimamente tenho estabelecido a seguinte rotina de trabalho : Pego um antigo ícone  e tento copiar  suas linhas e cores. 
Há um ícone muito bonito de São Sérgio de Radonezh, que está preservado no Museu de André Rublev em Moscou. Eu tenho tentado  copiar esse ícone. Viajamos para Moscou com a nossa escola e tentamos copiar os ícones que vimos no museu. 

Pergunta :  Qual ícone  você considera como sendo modelar, um exemplo para  você? 
Madre Maria : Naturalmente, os ícones do Santo André Rublev, e nem mesmo estou fazendo menção ao seu estilo, mas sim digo a respeito de sua profundidade e serenidade. 
Uma das matérias de nossa escola iconográfica trata justamente de debater sobre a luz dos ícones. A luz sempre foi um elemento  muito importante para todos os pintores de ícone entre os Séculos  
XIV e XV. Este foi o momento em que São Gregório Palamas escreveu sobre a Luz Divina do Tabor. 
Estes escritos encontraram seu reflexo na iconografia de  Teófano o Grego, de André Rublev, e de Dionísio, mas cada um deles tinha uma forma diferente de mostrar essa luz. 
Na iconografia de  Teófano o Grego, temos esta luz viva como em chamas. 
Já a luz nos ícones de André Rublev é uma luz compassiva e interior.
 Nos ícones por Dionísio  a luz é realmente  incomparável, as  cores são majestosas e mesmo luminosas.

Pergunta : Existe um pintor de ícones atuais que seja um exemplo para você? 
Madre Maria : Falando do ponto de vista técnico, o diácono Sérgio é um exemplo, eu acho que posso aprender muito com ele.  Existem muitas pessoas talentosas em nossa oficina, e eu procuro aprender alguma coisa com todos. Nós organizamos regularmente exposições dos ícones que pintamos, e alguns desses ícones são simplesmente maravilhosos. 
Conheço uma  pessoa maravilhosa , o Padre Igor Latushko, que é um sacerdote e um pintor de ícones. Certamente sempre fico muito feliz quando o encontro. 
Com o  Diácono Sérgio busco  aprender  sobretudo sobre a arte da pintura do ícone. Já com o Padre Igor , não é o ensino das técnicas em si, mas fundamentalmente seus ensinamentos são voltados para a relação do ícone com o mundo. As pessoas são diferentes, há aquelas personalidades mais fervorosas , impetuosas, já o Padre Igor é daquele tipo calmo, pacífico. Todos no estúdio ficamos muito felizes quando o Padre Igor nos visita.

Pergunta : Alguns iconógrafos  dizem que as vezes as faces dos santos  são difíceis de pintar. Você acha que tal dificuldade tem relação com a vida espiritual do iconógrafo ?
Madre Maria : É difícil dizer. E é complicado determinar coisas assim a partir do um ponto de vista estritamente técnico. 
Veja uma situação típica: quando você pinta ícones por um longo tempo e sem parar, as camadas não secam adequadamente, e mesmo por isso há  muitos ícones que ficam como que tomados por uma “neblina”, como os iconógrafos denominam. 
Por outro lado, cada pessoa vivencia diferentes períodos em sua vida. Para uma determinada pessoa, a pintura se torna  bem fácil desde o início, enquanto outra pessoa tudo é sempre  mais difícil. 
Às vezes um iconógrafo pode tentar escrever ícones por anos a fio, e não ver qualquer sinal de sucesso, e nisso a pessoa fica chateada, claro. No entanto, ela não deve perder a esperança, e ai está uma questão notoriamente espiritual vinculada a esta obediência. 
Existem outras maneiras de verificar como o estado espiritual pessoal do iconógrafo tem relação com a pintura dos seus ícones. 
Quando, por exemplo, um ícone fica muito bonito e isso faz com que o iconógrafo fique orgulhoso de si mesmo, o resultado do ícone (em virtude do seu orgulho) não terá sido bom, ainda que tecnicamente tenhamos um notório sucesso. 
O ícone então só será realmente um bom fruto, na medida em que o iconógrafo se humilhe através dele. 

Pergunta : É necessário que o iconógrafo reze ao santo que será escrito , ou não ? 
Madre Maria : O ponto primordial é que o iconógrafo deve perseverar na oração do coração. Quando então tudo se tornar tranquilo  em torno dele e ninguém e nada mais o distrai, ele pode mergulha profundamente e ai sim, pintar. 

Pergunta : Qual é o seu santo preferido? E por qual razão?
Madre Maria : São Sérgio de Radonezh. Existem muitos eventos na minha vida que são associados com  São Sérgio. Por exemplo, a minha vinda para a Igreja, e a pintura de ícones foram inspiradas nele. Ele é humilde. Considero também São João o Precursor  e São Tikhon como meus santos favoritos. 

Pergunta :  De qual modo a sua vinda para a Igreja está relacionada  com São Sérgio? 
Madre Maria : A vida de São Sérgio foi o primeiro livro espiritual que li. A minha primeira peregrinação a um lugar sagrado foi realizada na Lavra da Santíssima Trindade de São Sergio.  Seus pais não queriam que ele fosse para um  mosteiro, assim como também os meus pais não queriam que eu me tornasse uma monja.  Eu ingressei no Convento em um outono, no dia de São Sergio... 
Nós aqui sonhávamos em ter uma partícula de suas relíquias em nosso Convento. Um certo dia  fomos visitar a Lavra da Santíssima Trindade de São Sérgio  e eles nos deram uma partícula de suas relíquias. Este foi um ato da   misericórdia de Deus! 

Pergunta : Algumas pessoas no estúdio de pintura de ícones são recém-convertidos a igreja, não são? 
Madre Maria : Todos os nossos iconógrafos  são membros ativos da Igreja. Uma menina foi batizada durante seu estudo na escola de iconografia. Eu não acho que a arte da pintura de ícones desperte interesse em um incrédulo. Mas mesmo uma pessoas que não frequentam a igreja, o ícone poderá a conduzir a Deus.