terça-feira, 29 de março de 2011

Deus é feio ou é belo?

A arte é, se quisermos, a narração visual da experiência de encontro com um rosto, uma palavra, uma imagem verdadeiramente visível porque incarnada. São Paulo irá mais longe, completando cristológica e cristãmente a doutrina da “imagem-ícone” de Deus desenvolvida em Gênesis 1,27 («Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher»). De fato, ele afirma que os cristãos, como filhos adotivos de Deus, são predestinados a serem “uma imagem (eikôn) idêntica à do seu Filho, de tal modo que Ele é o primogênito de muitos irmãos” (Romanos 8, 29). O cristão é, por isso, imagem da imagem de Deus e a arte é o ícone da imagem da imagem, pois através dos vários rostos humanos ela recompõe o rosto de Cristo que é revelação do rosto divino. Como afirmava Macário, o Grande, na sua Iª Homilia, «A alma que foi plenamente iluminada pela beleza inexprimível da luminosa glória do rosto de Cristo, fica cheia do Espírito Santo (...) e torna-se toda ela olhos, toda luz, toda rosto» (Patrologia Graeca XXXIV, 451).
Façamos aceno a uma pergunta talvez ingénua mas, sem dúvida, fascinante: é possível dizer algo mais sobre o rosto de Deus, através da Encarnação [de Jesus], para que a arte adquira uma espécie de cânone figurativo? Há um silêncio nos Evangelhos que não dedicaram nem uma linha ao perfil físico de Jesus de Nazaré, nem sequer o Evangelho de Lucas, dito o “pintor” (de acordo com a tradição). Ora, a cultura cristã enveredou não por uma, mas por duas vias e antitéticas. Ambas têm, todavia, uma sua verdade.
Primeiramente, a partir do século III, os Padres da Igreja quebraram o silêncio visual e imaginaram o rosto de Cristo moldado pelo seu sofrimento redentor, o rosto da paixão e morte que o célebre passo de Isaías, do canto quarto do Servo Sofredor, ilumina: “Sem figura nem beleza. Vimo-lo sem aspecto atraente... diante do qual se tapa o rosto” (53,2-3). Orígenes resumiu isso de forma lapidar: Jesus era pequeno, feiote, semelhante a um zé-ninguém. Pode ser surpreendente, mas aqui chegados, devemos dizer que até a fealdade pode salvar o mundo, invertendo assim a célebre e citadíssima afirmação de Dostoievski. A lógica da Encarnação compreende também o sofrimento de Deus, o corpo martirizado, a posteriora Dei, como Lutero ousava definir o perfil de Cristo crucificado. O seu rosto reflete a face banhada de lágrimas dos irmãos e irmãs do “primogénito entre muitos irmãos”. Neste sentido, é uma “fealdade” nobre que fala de Deus e que impede todo o kitsch devocional, todo a esteticismo triunfalista, todo o maneirismo.
Contudo, é preciso reconhecer que o ponto de chegada da vida de Cristo não é a Sexta-feira Santa, mas “o Domingo da vida”, para usar livremente uma locução hegeliana, ou seja, o alvor da Páscoa que é por excelência o definitivo “dia do Senhor” (Apocalipse 1,10). Não é por acaso que a Primeira Carta de João define Deus como Luz (1,5). A partir daqui inaugurou-se uma outra estrada figurativa que os Padres da Igreja exaltaram a partir do século IV, e fizeram prevalecer na tradição artística posterior. Usando os modelos da estética clássica greco-romana, absorvendo até frequentemente a tipologia figurativa das divindades pagãs ou dos filósofos da antiguidade, propôs-se um Deus belo e radioso, um Cristo apolíneo, irradiando luz como o sol, segundo o passo do Salmo 45,3, submetido a uma releitura alegórico-messiânica: “Tu és o mais belo dos filhos dos homens”. Apesar de Santo Agostinho repetir que “ignoramos totalmente qual seja o rosto” real de Cristo, foi esta a imagem divina que se impôs, reforçada em milhares de representações admiráveis em séculos da melhor arte cristã, mas também na superabundância monótona e repetitiva dos copistas.
Na verdade, os dois itinerários iconográficos oferecem um contributo para representar o Deus bíblico que é, sim, transcendência e luz, mas também é Emanuel, pronto a caminhar pelos percursos da história e a tocar os corações com o seu Filho feito homem. À luz desta perspectiva torna-se emblemática a síntese operada pelos vários Pantokrator colocados nas absides das grandes basílicas antigas: o Cristo triunfante e glorioso aparece em todo o esplendor da sua beleza, mas traz bem visíveis os estigmas ensanguentados da sua paixão. Deus invisível e visível, transcendente e próximo, glorioso e sofredor. Eis a arte, a quem cumpre não só apresentar o fenomenológico, mas o mistério subentendido (o Inconnu, como dizia o poeta francês Laforgue). Quando a arte se faz religiosa, deve procurar sempre unir de maneira harmoniosa o Infinito e a carne, o Eterno e a história, o Filho de Deus que é Jesus de Nazaré.
D. Gianfranco Ravasi
Presidente do Conselho Pontifício da Cultura
Trad.: SNPC
© SNPC (trad.) | 02.07.10

terça-feira, 15 de março de 2011

Trabalho em um ateliê de iconografia

Encontrei essa semana um blog italiano excelente, com muitos links de ateliês de iconografia e iconógrafos de vários países, inclusive da Rússia. Dentre eles, um que me chamou muito a atenção é o álbum de fotos de Anastasija Sopagiene, uma iconógrafa católica romana da Lituânia, que trabalha juntamente com mias dois iconógrafos. Eles realizaram uma Via Sacra e mostram passo à passo todo o processo de confecção dos ícones.





Vale à pena conferir: 
Álbum de Anastasija Sopagiene
O endereço do blog: http://iconecristiane.it/
Espero que gostem!!!

quinta-feira, 3 de março de 2011

L´Officina dei Santi - Livro do Mestre Mezzalira

L’Officina dei Santi (A Oficina dos Santos)
O ciclo iconográfico criado na Abadia de Maguzzano,

reflexões sobre a arte sacramental
capa: a comunhão dos apóstolos

G. Mezzalira - E. Bertaboni - G. Matta - A.Ambrosi



O desejo de finalmente ver realizado um programa iconográfico à serviço do espaço litúrgico, levou alguns pintores da Escola de Iconografia da Abadia de Maguzzano – Itália, a projetar e realizar, por iniciativa própria, uma pintura mural para servir de modelo, acompanhada de reflexões aprofundadas e contextualizadas à realidade litúrgica de nossos dias, infelizmente abstrata e sem forma.

A redescoberta de uma autêntica arte sacra, graças às reflexões sobre a teologia do ícone e das investigações sobre as antigas técnicas por parte dos restauradores russos, há décadas, deu vida à atividade iconográfica.

Esta arte tradicional, que a Igreja Ocidental partilha com a Oriental, pode ser vista como um primeiro elemento comum da tão desejada reunificação das Igrejas Cristãs. "Finalmente, eis uma arte que não somente não teme dizer-se sacra, mas que recupera a beleza como reflexo do Divino.” (Do prefácio de Vittorio Messori)

Giovanni Mezzalira
Leciona na Escola de Iconografia San Luca em Padova e na Abadia de Maguzzano. É membro da Comissão de Arte Sacra da Diocese de Padova.

Enrico Bertaboni
Leciona na Escola de Iconografia San Luca em Padova e na Abadia de Maguzzano. Estuda e trabalha em seu laboratório dedicado a São Fermo, em S. Felice del Benaco (BS).

Giuseppe Matta
Impulsionado por uma paixão pela arte sacra, dedica-se ao trabalho sobre a experiência histórica e artística da Itália meridional bizantina, oferecendo sua contribuição de atualização.

Annarosa Ambrosi
Leciona na Escola de Iconografia San Luca em Padova. Colabora na atividade de promoção da cultura religiosa russa no Centro Solov'ev, em Padova.

Esta obra pode ser adquirida através do site da editora:
http://www.miquadro.it/aurelia/

terça-feira, 1 de março de 2011

NOSSO CURSO

 
O Curso propõe a experiência da pintura completa de um ícone, através de todas as etapas, evidenciando a técnica, a estética e a teologia, segundo a tradição russo-bizantina. Não pretendemos formar de momento um iconógrafo, mas fornecer chaves concretas de acesso à arte sacra, em vista de trazer benefícios em diversos níveis:

- aprofundar o sendo do Mistério da Encarnação, graças ao qual o nosso Criador assumiu uma face visível e "re-presentável" - O Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14);
- a descoberta da dignidade deste trabalho de representação da face de Deus supera a experiência subjetiva e se torna serviço eclesial;
- percebe como o mundo material da criação pode colaborar eficazmente com esta representação, como se estivesse misteriosamente predisposto a isto.

Uma pequena experiência pode ter ressonância em âmbito mais vasto e iluminar (e ser iluminada) a ação litúrgica, o canto e o espaço sagrado.
A preciosa herança da arte sacra do ícone esteve providencialmente conservada pela Igreja Oriental. Assim, pretendemos atingir, com absoluto respeito e reconhecimento, a realização deste trabalho, aceitando também as pequenas limitações, sem querer rapidamente remover os obstáculos, consequência de um "divórcio", que por quase um milênio, tem nos privado uns dos carismas dos outros.